Nas horas seguintes à troca de pele, a aranha está mais vulnerável do que nunca. Seu corpo ainda não tem firmeza o suficiente para andar. É por isso que ela procura locais tranquilos para que sirvam de abrigo durante a troca. Essas trocas ocorrem para que a aranha possa crescer em tamanho, visto que seu exoesqueleto impede que seu corpo cresça sem que o mesmo seja rompido. Por dentro do exoesqueleto, a aranha precisa fazer pressão o suficiente para conseguir quebrá-lo. Depois, precisa contrair os músculos para que as patas consigam sair do exoesqueleto. Após sua saída, ela fica horas imóvel, esperando que o novo exoesqueleto seja forte o suficiente para sustentar seus músculos.
Para crescer, a aranha precisa destruir uma das partes mais importantes do seu corpo: a estrutura que permite que ela possa se movimentar. Ela precisa dizer adeus àquilo que a sustenta, deixar morrer aquilo que, durante muito tempo, foi o que possibilitou que ela sobrevivesse.
Algo está mudando. O ranger das tábuas de madeira, o rolar das pedras e o vento batendo nas árvores tornam evidente que o tempo está passando e já não é mais possível ser o mesmo que se era. A cada instante, uma nova dor. O mundo está desmoronando e encontramo-nos vulneráveis. Não há porquê buscar as respostas lá fora. O mundo chama, está falando conosco. O mundo invade e inunda, gritando, arranhando. Às vezes, o universo pede socorro. Não para ser salvo, mas para ser ouvido. Todos os desastres, as mortes, os maus tratos, as mentes perversas, todas as dores do mundo existem, e elas gritam. Essa tristeza toda, ela quer ser vista. Ela quer ser sentida. Ela precisa ser sentida. Alguém tem que sentir.
Para crescer, alguém precisa destruir uma das partes mais importantes de si: as estruturas que permitem que haja qualquer sensação de certeza. Alguém precisa dar adeus às crenças que promovem sustentação, deixar morrer em si aquilo que, durante muito tempo, foi o que possibilitou sua sobrevivência.
Somente com a completa dissolução é possível alcançar a transformação. Não há o que temer. Há de mudar, sim. O que era não será mais, mas não está tudo perdido. É um ciclo — não é a primeira vez, muito menos a última. Começamos a morrer cedo e não paramos mais. Cada dia, um pouco se esvai. Deve ser assim. Não há motivo para resistir. Há dias em que porções maiores se vão e a dor parece insuportável. O mundo inteiro morde e arranha. Uma ferida recém aberta não pode ser forte como a pele bem regenerada. Está tudo bem. Não existe nada que vale o esforço da manutenção.
Algo está morrendo. Deixe ir.