7 de maio de 2025

Esquartejamento suspenso

Começa como uma névoa. Momentos em que a imagem se torna difusa nenhuma forma ou linha é precisa o bastante para compreender o que realmente está à frente. O caminhar é incerto e, por vezes, é possível ter um vislumbre da realidade. Como aquele breve momento em que se acorda de noite, sem se ter certeza de onde se está, sem saber ao certo se está tudo bem, mas aos poucos o quarto vai se tornando visível e, quando finalmente é possível se orientar, o sono se sobrepõe novamente. Ao perceber esse padrão, esses momentos se tornam mais como quando se consegue colocar a cabeça pra fora d'água e puxar o ar enquanto luta para não se afogar. Desespero. A consciência se torna um desespero.

É quando eles vêm e me puxam por todos os cantos, quando me arrastam de volta para seus esconderijos e me convencem que aquilo é meu lar. "Volte para casa", eles sussuram, mas esquecem que casa é um lugar no qual eu nunca me senti à vontade. Há também os que me puxam para fora, que não me arrastam apenas até o umbral, mas seguem me puxando para a estratosfera, também tentando me convencer de que aquele é meu lar. Mas todos, sem exceção, me tiram de mim. Me afastam de mim, me impedem de mim, me arrancam de mim.

E no fim eu não sou, não existe ar para respirar, ela não para de gritar no meu ouvido, e eu preciso gritar por ela, mas ninguém gosta quando eu grito por ela, e eu não gosto de gritar por ela, mas eu não posso gritar por mais ninguém, e eu não posso gritar de forma alguma.

Não há lar, não há névoa, não há água ou afogamento. Não tenho membros, nem olhos, e não posso falar. Se existe um centro, um ponto ao qual tudo converge, eu não consigo achar. Flutuo. Eu não estou aqui.